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sexta-feira, 8 de julho de 2022

Perturbação do Desenvolvimento da Linguagem atinge 7% a 10% das crianças

Crianças com perturbação do desenvolvimento de linguagem tendem a revelar problemas linguísticos que tipicamente incluem dificuldades ao nível da produção e da percepção dos sons da fala, da combinação das palavras em contexto-frase, na compreensão de palavras e frases e contextos narrativos.

Por Edson Joel Hirano Kamakura de Souza

Ana Paula Soares trabalha na área da psicolinguística e pertence ao Centro da Escola de Psicologia, da Universidade do Minho. Neste vídeo ela confessa que tem se interessado no estudo de crianças com problemas de comunicação, fala e linguagem. Para isso dá-se o nome de PDL - Perturbação do Desenvolvimento da Linguagem. 

Ana Paula explica que as crianças com essa síndrome desconhecem as regras dos sons da fala, das suas combinações que regulam o uso apropriado da linguagem. "Na infância essas perturbações atingem entre 7% e 10% das crianças mas pouco se ouve falar do assunto" - lamenta.

"Para que seja atribuído o diagnóstico de perturbação de desenvolvimento de linguagem é necessário que outras perturbações neuro desenvolvimentais, como a perturbação do espectro autista, a perturbação intelectual e déficits sensoriais, como perda auditiva, sejam excluídos" - diz Ana.

O vídeo contém legenda que você precisa acionar no seu dispositivo

O QUE É PERTURBAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM?

O termo perturbação do desenvolvimento da linguagem é usado para caracterizar as crianças que apresentam dificuldades significativas na aquisição e uso da linguagem para comunicar manifestadas em problemas de compreensão e/ou produção.

São crianças que apresentam competências linguísticas abaixo do esperado para sua idade, num ou mais domínios linguísticos e que interferem, de forma significativa, com seu dia-a-dia, com seu bem-estar psicológico e emocional e também com as suas aprendizagens escolares.

É importante notar que estas dificuldades não podem ser devidas a outras perturbações neurodesenvolvimentais, como a perturbação do espectro autista, perturbação intelectual ou déficits sensoriais, como perda auditiva embora, pelas implicações que trazem para a vida das crianças, possam ocorrer com outras perturbações comportamentais como o déficit de atenção e hiperatividade ou emocionais, como ansiedade ou depressão.

São, por isso, crianças em que os problemas da comunicação, fala e linguagem são inesperados face ao desenvolvimento que apresentam noutras áreas de vida e as oportunidades de estimulação oferecidas pelo meio em que estão inseridas.

Trata-se curiosamente de uma das perturbações neurodesenvolvimentais mais comuns durante a infância com prevalências oscilar entre os 7 e os 10 por cento, mas do qual pouco ou nada ouvimos falar.

QUAIS SÃO AS CARACTERÍSTICAS DA PDL QUE SE PODEM OBSERVAR EM SALA DE AULA?

As crianças com perturbação de desenvolvimento de linguagem são crianças que, como referi, apresentam dificuldades significativas na aquisição e uso da linguagem. Mas dado que a linguagem é um sistema altamente complexo cujo uso implica conhecimentos e competências a diferentes níveis como, por exemplo, o conhecimento dos sons da fala e das regras de os poder combinar, a área da fonologia, a estrutura das palavras e as regras para as poder construir, a área da morfologia. As regras que permitem combinar as palavras em frases, a área da sintaxe, extrair o seu significado, a área da semântica e, ainda, as regras que regulam o uso apropriado da linguagem em contexto, a conhecida pragmática.

Crianças com perturbação desenvolvimento de linguagem podem, por isso, manifestar uma panóplia de características dependendo em larga medida das áreas de linguagem que são afetadas.

Em todo o caso, crianças com perturbação do desenvolvimento de linguagem tendem a revelar problemas linguísticos que tipicamente incluem dificuldades ao nível da produção e da percepção dos sons da fala, da combinação das palavras em contexto-frase, na compreensão de palavras e frases e contextos narrativos.

Apresentam também problemas significativos ao nível do uso apropriado da linguagem em contexto, em compreender significados não literais, da interpretação das intenções e necessidades comunicativas dos outros. Ao que se soma, frequentemente, problemas ao nível da retenção de informação verbal, ao nível da memória verbal. É por isso uma síndrome muito heterogenia, difícil de caracterizar tanto que podem existir múltiplos perfis.

Em todo caso os problemas de produção são mais fáceis de detectar do que os problemas de compreensão, que tendem por isso mesmo a ser subestimados. Quando os problemas são restritos à área da fonologia expressiva, isso associa-se habitualmente o melhor prognóstico.

A essas crianças deve ser atribuído o diagnóstico de perturbação dos sons da fala, exceto se os problemas persistirem para lá dos cinco anos de idade, como será o caso das crianças em idade escolar.

QUAIS SÃO OS SINAIS DE ALERTA DA PDL À ENTRADA PARA A ESCOLARIDADE OBRIGATÓRIA?

Todas as crianças que revelem problemas significativos de comunicação, fala e linguagem, à entrada da escolaridade, devem ser sinalizadas e intervencionados. Diria mesmo que os problemas mais simples, digamos assim, como aqueles restritos à área dos sons da fala devem ser atendidos. Porque não é suposto que crianças à entrada da escolaridade apresentem erros de produção de sons da fala como substituições ou omissões de forma frequente. Dizer pato em vez de fato, tama invés de cama, por exemplo.

Portanto, diria que nesta idade qualquer problema significativo no uso da linguagem deve constituir sinal de alerta para que os professores possam encaminhar para serviços especialidade, caso exista essa possibilidade.

Neste capítulo apresentamos uma série de comportamentos que podem de fato sinalizar problemas ao nível da linguagem que devem ser atendidos, para além, dos problemas ao nível da fonologia, problemas na descrição, por exemplo, de acontecimentos no dia a dia, em sequenciar histórias, em compreender textos.

Tudo isso deve ser sinal de alarme e não deve ser desvalorizado pelos professores.

QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS DIFICULDADES DE LEITURA E ESCRITA PRESENTES NA PDL?

A perturbação do desenvolvimento da linguagem é por definição uma perturbação da linguagem na modalidade oral. Contudo, dadas as continuidades que se estabelecem entre a linguagem oral e a linguagem escrita, a linguagem escrita surge na continuidade da linguagem oral assumindo-se como um segundo sistema de sinais.

Não é de surpreender que crianças com perturbação desenvolvimento de linguagem apresentem um risco significativamente maior, cinco a seis vezes mais, do que crianças sem PDL para apresentarem dificuldades acrescidas na aprendizagem da leitura e da escrita.

As dificuldades de leitura e escrita, muitas vezes, designadas por dislexia do desenvolvimento são também uma perturbação da linguagem e ainda que na modalidade escrita. À semelhança da perturbação do desenvolvimento de linguagem a dislexia é também uma perturbação sem causa aparente, cujo diagnóstico se realiza basicamente pela verificação dos mesmos critérios de exclusão da perturbação de desenvolvimento da linguagem e que apresenta estimativas de extraordinariamente similares às das crianças com dislexia em idade escolar, entre sete e dez por cento.

Esta sobreposição levou inclusivamente alguns autores a sugerirem que a perturbação desenvolvimento da linguagem e a dislexia deveriam ser entendidas como um continuum, como variantes de uma mesma síndrome neurodesenvolvimental e que termos como perturbação da linguagem deveria ser antes adotado para designar crianças com problemas de linguagem, independentemente da sua modalidade.

Contudo, e muito embora problemas de linguagem oral e escrita coexistam frequentemente, a verdade é que a evidência científica mais recente tem suportado a ideia de que se trata de perturbações diferentes e quando os critérios para cada uma delas elas são observados devem ser atribuídos os dois diagnósticos.

À semelhança da fala, a leitura e escrita, são atividades altamente complexas que envolvem dois processos essenciais. Os processos de decodificação, isto é, a capacidade para transformar as representações gráficas das letras na sua unidade correspondente no léxico mental usando numa etapa inicial as regras de conversão grafema-fonema, que permitem a recuperação da representação fonológica e da palavra armazenada no léxico mental ao que se segue numa fase posterior um acesso mais direto a palavra no léxico mental sem a mediação fonológica.

Envolve ainda processos de compreensão, isto é, a capacidade para utilizar a informação léxico-semântica das palavras para construir significados ao nível da frase do texto ou do discurso e que é fundamental à obtenção do conhecimento e a aprendizagem de uma forma geral.

Podemos assim dizer que as dificuldades da leitura podem emergir tanto de problemas ao nível dos processos de decodificação como ao nível dos processos de compreensão, ambos entendidos como essenciais ao desenvolvimento de uma leitura proficiente.

Problemas ao nível da decodificação tendem a ser observados em etapas mais precoces da aprendizagem da leitura e da escrita e estar mais associados a problemas de natureza fonológica, ao passo que, problemas ao nível da compreensão podem manter-se relativamente camuflados e ser apenas observados em etapas mais avançadas da escolaridade quando os textos se tornam mais complexos e exigentes do ponto de vista interpretativo.

Nesta conceitualização os problemas de leitura exibidos pelas crianças com dislexia são entendidos como decorrendo essencialmente de problemas ao nível da decodificação na ausência de problemas significativos ao nível da compreensão. O que é consistente com uma visão dominante de que o marcador da dislexia são déficits ao nível do processamento fonológico.

Dado que a maioria das crianças com perturbação do desenvolvimento de linguagem apresentam problemas de natureza lexical morfossintática e semântica, portanto, vocabulário pobre, compreensão limitada de textos, dificuldades na realização de inferências, elas tenderão a apresentar mais problemas de compreensão leitora podendo o seu desempenho, ao nível de fonológico, a manter-se relativamente intacto.

Contrariamente aquilo que acontece nas crianças com dislexia.

Quando assim é, o diagnóstico de dislexia não é normalmente atribuído. De notar, contudo, que mesmo que o diagnóstico de dislexia não seja atribuído a crianças com perturbação desenvolvimento da linguagem, isto não significa que estas não tenham problemas de leitura que podem impactar de forma muito significativa as suas aprendizagens e o sucesso escolar.

É que se as crianças entram na escola, numa primeira fase, para aprender a ler, rapidamente têm de ler para poder aprender.

E se há problemas a este nível não é difícil de antever o que isto poderá acarretar para essas crianças. Portanto, ainda que que os estudos indicam que algumas crianças com perturbação de desenvolvimento de linguagem conseguem escapar a consequência de desenvolver dislexia, quando entram na escolaridade, é importante enfatizar que elas tendem a apresentar problemas de compreensão que podem passar despercebidos, sobretudo, etapas iniciais mas que nunca deverão ser esquecidos.

Em qualquer caso é importante notar que mais de cinquenta por cento de crianças com perturbação do desenvolvimento de linguagem apresentam também os critérios para dislexia. O que é um número assustadoramente elevado. Isto sugere que se quisermos combater de forma eficaz problemas de leitura escrita e promover o processo educativo das crianças temos de começar muito antes.

QUE OUTRAS PERTURBAÇÕES PODEM SER CONFUNDIDAS COM PDL?

Como disse antes, para que seja atribuído o diagnóstico de perturbação de desenvolvimento de linguagem é necessário que outras perturbações neuro desenvolvimentais, como a perturbação do espectro autista, a perturbação intelectual e déficits sensoriais, como perda auditiva, sejam excluídos.

Embora a perturbação desenvolvimento de linguagem possa coexistir com outras perturbações comportamentais ou emocionais, como antes foi referido, e até serem muito comuns dadas as implicações que este tipo de perturbação traz para a vida destas crianças, a ideia básica é que ainda que as dificuldades de linguagem possam coexistir com outras perturbações, aliás como digo no capítulo a comorbidade entre perturbações é muito mais a regra do que exceção, nesta perturbação específica as dificuldades de linguagem devem ser primárias e não uma consequência de outras perturbações.

Se a criança tiver dificuldades significativas de linguagem, ainda que associadas a outra perturbação, como perturbação do espectro autista ou alguma condição biomédica conhecida, como por exemplo síndrome de Down, é recomendado que se atribua o diagnóstico de PDL associado, especificando essa mesma condição, por exemplo, perturbação do desenvolvimento da linguagem associada à síndrome de Down.

A preocupação aqui é que as crianças que apresentam dificuldades significativas da linguagem, ainda que elas possam decorrer de outras condições não sejam privadas de poder aceder a serviços especializados de avaliação e de intervenção que

possam minimizar os efeitos perniciosos que essas dificuldades acarretam na vida das crianças, das suas famílias e da sociedade em geral.

O QUE É QUE OS PROFESSORES PODEM FAZER PARA AJUDAR CRIANÇAS COM PDL?

Não pretendemos que os professores sejam clínicos e, portanto, sempre que possível, diria que essas crianças devem ser encaminhadas para serviços de especialidade nas áreas da terapia da fala ou da psicologia afim de serem avaliadas e que medidas de intervenção possam ser desenvolvidas, desejavelmente em articulação com os professores para que eles possam aplicar em sala de aula.

Em todo caso, no capítulo, apresentamos várias sugestões para que os professores possam, em primeiro lugar, munidos de mais conhecimentos ser capazes de identificar estas crianças em sala de aula e até de as poder avaliar usando para isso instrumentos de rastreio disponíveis, como é por exemplo caso da escala RALF, no português europeu que permite avaliar competências ao nível da compreensão auditiva, ao nível da expressão verbal-oral e também da metalinguagem.

Para o Brasil, os instrumentos de que temos conhecimento são instrumentos que são aplicados apenas por clínicos. Em todo caso, neste momento, estamos a desenvolver trabalho no sentido de produzir uma adaptação da RALF para o contexto brasileiro que pensamos que vem a ser de grande utilidade.

Porque é uma ferramenta muito, muito útil, que permite identificar de fato quais são as áreas mais deficitárias das crianças e onde a intervenção deve incidir.

Em Portugal, junto de algumas escolas, já temos tido este tipo de práticas e de fato parece ser um caminho muito, muito promissor porque permite uma avaliação muito mais sistemática e, a partir dessa mesma avaliação, os professores poderão aplicar atividades de uma forma muito mais intencional para responderem de forma mais efetiva às necessidades das crianças.

No capítulo são sugeridas algumas atividades que visam precisamente estimular competências linguísticas, nos diferentes domínios da linguagem, e que podem ser usadas em função das necessidades mais ou menos específicas a nível fonético-fonológico, léxico-semântico e até pragmático.

Trata-se de atividades simples e fáceis de implementar em contexto de sala de aula e que foram propostas pelas coautoras deste Capítulo, Marisa Lousada e Margarida Ramalho, que tem ampla experiência de intervenção neste tipo de situações.

QUE PERGUNTAS SUGERE PARA A REFLEXÃO? E QUAL É A PRINCIPAL MENSAGEM DO CAPÍTULO?

Penso que a principal mensagem deste capítulo é mesmo a de alertar os profissionais que trabalham diretamente com essas crianças, em especial os professores, que estas crianças existem, que frequentam as nossas salas de aula e que as suas necessidades não deverão ser desvalorizadas.

É que a sociedade em geral tende a ser muito condescendente com este tipo de dificuldades no pressuposto de que as trajetórias da aquisição são muito variadas, o que não deixa de ser verdade, mas há limites. E que o desenvolvimento se encarregará de corrigir tudo.

Afinal, o Einstein só começou a falar aos 5 anos. Essa é uma crença muita enraizada, não só na sociedade em geral, mas também entre as várias classes de profissionais que trabalham diretamente com as crianças, como médicos, enfermeiros, educadores e até psicólogos. Mas que deve ser combatida.

Sabemos hoje que os primeiros anos de vida são momentos-chave para que determinadas mudanças ocorram dado criarem as condições essenciais para que as aprendizagens e o desenvolvimento decorram da forma mais apropriada.

Não quero com isto defender uma perspectiva catastrofista, porque sabemos também que a neuroplasticidade é muito maior do que inicialmente antecipávamos. Mas não deixa também de ser verdade que quanto mais cedo na vida estas crianças forem finalizadas e intervencionadas, mais facilmente estas modificações poderão ser instaladas sem o custo que uma intervenção mais tardia, tipicamente acarreta não só do ponto de vista da eficácia da intervenção, mas sobretudo também do bem-estar da própria criança.

Esta iniciativa junta-se assim ou outras, lançadas por outros investigadores como Dorothy Bishop, da Universidade de Oxford, que lançou uma campanha em Inglaterra, precisamente para chamar a atenção para estas crianças e que nós, com este contributo neste capítulo, também procuramos dar um contributo a esse nível.

É que, apesar do seu elevado número, não podemos esquecer que duas a três crianças, em cada turma, apresentam esta perturbação e das implicações que estas dificuldades, quando não tratadas, acarretam para a criança, para as suas famílias e para a sociedade em geral.

As crianças com esta perturbação são tipicamente negligenciadas, tanto do ponto de vista da investigação, como do discurso político, e Portugal e o Brasil não são seguramente exceção.

Para terem uma ideia do que acontece do ponto de vista científico pensem, por exemplo, que a perturbação de desenvolvimento de linguagem e a dislexia são comparáveis, em termos de prevalência e severidade, ao déficit de atenção e a hiperatividade, mas o índice de publicação é 16 vezes menor do que o déficit de atenção por hiperatividade e quatro vezes menor do que no caso da dislexia.

Muitos fatores concorrem para isso. No capítulo 21, abordamos alguns deles como, por exemplo, as questões da própria terminologia, que é muito variada e que dificulta o diálogo entre os vários profissionais.

Do ponto de vista científico, nós estamos comprometidos com esta campanha temos um projeto de investigação financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia que procura precisamente estudar estas crianças e encontrar marcadores neurobiológicos, que permitam a detecção precoce estas crianças e uma intervenção atentada.

Queremos que um outro eixo fundamental de atuação é mobilizar a sociedade e, em particular, os professores que trabalham com estas crianças, para que esta problemática não seja esquecida e para que possam de fato sinalizar, avaliar e desenvolver respostas que respondam de forma mais apropriada estas crianças e promovam o seu sucesso escolar e acadêmico.

domingo, 30 de janeiro de 2022

Analfabetismo no século 21


“Alfabetizar” refere-se à capacidade de usar o código alfabético para ler e escrever"

João Batista Araújo e Oliveira

O Estado de S.Paulo

Nos 200 anos da Independência do Brasil ainda seremos um país com quase 12 milhões de analfabetos com carteirinha expedida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – algo em torno de 7,2% da população com 15 anos ou mais. Em mais duas décadas esse número vai sofrer uma redução significativa, porque a maioria dos integrantes desse grupo se encontra entre a população mais idosa. Mas o buraco é mais embaixo.

O conceito de analfabeto vem da década de 1950: o IBGE pergunta se a pessoa sabe ler e escrever o nome. No século 21, isso ajuda pouco. Esta é uma excelente oportunidade para refletirmos sobre o problema da alfabetização.

No Brasil, o termo e o tema da alfabetização provocam batalhas ideológicas campais, mas pouca ação efetiva. Neste artigo, trato de três aspectos do tema: o sentido original do termo “alfabetizar”, o fenômeno brasileiro do analfabetismo escolar e as consequências de ser alfabetizado. Usaremos os dados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) como pano de fundo.

“Alfabetizar” refere-se à capacidade de usar o código alfabético para ler e escrever. Essa é uma habilidade que, na maioria dos países e línguas, se ensina e se aprende no primeiro ano da escola formal. No Brasil, isso não é entendido nem reconhecido pelas autoridades educacionais. O resultado é desastroso.

Num teste aplicado recentemente a alunos dos três primeiros anos de um município com cerca de 150 mil habitantes e nota média na Prova Brasil, apenas 22%, 56% e 78% dos alunos foram capazes de fazer um ditado e escrever frases simples ao final do primeiro, do segundo e do terceiro anos, respectivamente. Não houve consistência alguma nos resultados dentro das escolas ou entre escolas, o que mostra as consequências de deixar a responsabilidade pelo assunto a critério de cada secretaria, escola ou professor.

A depender da nova a Base Nacional Curricular Comum, isso só vai piorar.

Alfabetização funcional é um segundo conceito importante. Mas seu significado varia em cada contexto. Um aluno pode ser considerado “analfabeto funcional” se não for capaz de copiar rápida e corretamente um texto do quadro ao iniciar o segundo ano escolar. Um cidadão comum é considerado analfabeto funcional se não entender o que lê na coluna de pequenos anúncios de um jornal. Por este último critério, quase 70% dos brasileiros com mais de 15 anos são analfabetos funcionais e os menores de 15 anos são analfabetos escolarizados – um neologismo genuinamente nacional.
O terceiro conceito é fornecido pelo Pisa, que distingue oito níveis de compreensão de leitura. Os quatro primeiros níveis do Pisa (1, 1A, 1B, 2) significam que o aluno não é capaz de fazer sentido elementar a partir do que lê. No melhor caso, foi apenas alfabetizado. Em média, 20% dos alunos dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) encontram-se nesse nível ou abaixo dele. O índice do Brasil em 2015 era de 58%. Ou seja, esses brasileiros – e milhões de outros que concluem o ensino médio a cada ano – serão analfabetos funcionais pelo resto de sua vida.

É pouco provável que uma sociedade que não consegue alfabetizar adequadamente os alunos dentro da escola, ao longo de mais de dez anos de vida escolar, seja capaz de fazê-lo em programas emergenciais ou arranjos com alto teor de demagogia. A outra ponta dos dados do Pisa revela que apenas 8% dos brasileiros escolarizados se encontram no nível 4 ou acima, quer dizer, têm condições básicas para compreender o que leem e exercitar algum grau de raciocínio crítico.

Nos últimos dias que precederam a aprovação da Base Nacional Curricular Comum, um grupo de pesquisadores brasileiros especialistas no tema dirigiu um apelo ao Ministério da Educação (MEC) e ao Conselho Nacional de Educação (CNE) para que revissem pelo menos os capítulos referentes à alfabetização. O MEC enviou-lhes obliquamente uma nota redigida pelos consultores responsáveis na qual se limitam a repetir a litania que o País vem ouvindo sobre o tema há mais de 30 anos. O CNE, que também se negou a ouvir o grupo, enviou, por intermédio de seus membros uma nota dizendo que “será preciso definir exatamente o sentido do conceito de sistema de escrita alfabética (...) e que (...) isso deverá ser feito nos diferentes sistemas de ensino e mesmo nas escolas (...)”.

Esse é o Brasil. Independentemente da definição de alfabetização adotada, são poucos os cidadãos preparados para ler, entender o sentido do que leem e, a partir daí, exercitar o espírito crítico.

José Morais, um dos mais notáveis especialistas no tema, observa que o termo “literacia”, usado em Portugal, designa um conceito duplo: a capacidade de leitura e escrita, mas também o que essa capacidade produz. Nessa acepção, a expressão “mente letrada” refere-se ao conjunto das capacidades mentais influenciadas pelas atividades de leitura e escrita. Por exemplo, a fala do letrado, seu raciocínio crítico e argumentativo e até sua criatividade são muito superiores aos da mente iletrada e têm um poder de ação e transformação da realidade muito maior. Ser alfabetizado é condição necessária, mas não suficiente para ser letrado. Alfabetização é a porta de entrada para o mundo letrado.

A escrita foi inventada há pouco mais de 4 mil anos e o seu domínio traz grandes benefícios. A grande maioria dos brasileiros é e continuará a ser privada dos benefícios dessa grande invenção em razão da incapacidade de nossos governantes de arbitrar entre ciência e ideologia, entre o que as evidências científicas dizem a respeito de alfabetização (e sobre como alfabetizar) e os decibéis dos ruídos daqueles que se fazem ouvir em Brasília. As pessoas, os grupos e as ONGs que ficam indignados com os números do IBGE são incapazes de se manifestar e se mobilizar diante do genocídio mental que representa o analfabetismo escolar.

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Por que as escolas do Japão reabriram durante a pandemia?

Em junho de 2020, as escolas japonesas reabriram no país. A rotina escolar obedece protocolos de segurança e as aulas presenciais são obrigatórias.

Por Edson Joel Hirano Kamakura de Souza

Em 1º de junho de 2020, três meses após o corona vírus ser declarado pandemia, os alunos das escolas japoneses voltaram às aulas obedecendo alguns rigorosos protocolos de segurança. Segundo o professor Ademar Oshiro, um brasileiro que dá aulas no Japão, isso não é nenhum problema porque as crianças japonesas são disciplinadas e seguem as regras.

E a correlação volta às aulas x taxas de transmissão de covid é irrelevante, sem aumento significativo de propagação. A vida escolar naquele país segue a rotina de aulas há mais de 10 meses..

Lá as aulas presenciais são obrigatórias ao contrário do que ocorre no Brasil que faculta aos pais a presença dos seus filhos nas salas que ficaram fechadas até abril de 2021.

Uma das medidas de segurança (parte do protocolo japonês), foi reduzir a sala de 40 para 20 alunos, com distanciamento entre carteiras. No Brasil as salas do ensino fundamental são de 30 alunos mas, durante a pandemia, os professores lecionam para apenas 6 alunos, por dia, por sala.  
  • No dia 7 de abril de 2020 o governo do Japão decretou Estado de Emergência, medida que permaneceu até 25 de maio. Em 1º de junho, 99% das escolas reabriram e os alunos retornaram às salas de aulas.
  • Alguns fatores essenciais davam a certeza as autoridades: acesso a tratamento de alto nível com leitos UTI suficientes, excelente nível de higiene pública e consciência dos cidadãos a respeito de higiene e possíveis ações, rápidas e eficientes, contra infecção coletiva, por parte do governo.

Crianças não transmitem e resistem ao vírus

Desde junho de 2020, para os japoneses, estava consolidado um fato: crianças não transmitem covid nem para outras crianças e nem para adultos e a taxa de mortalidade entre elas, segundo os últimos levantamentos, é de 0,0007%.

Cientistas ainda estudam outra constatação: o sistema imunológico das crianças é tão resistente que mata os vírus ou atenua, de tal forma que ficam suficientemente fragilizados para contaminarem outras pessoas. "Crianças vão para a escola e trazem para casa vírus e contaminam seus pais e avós" é uma afirmação falsa.

"A culpa não é das crianças"

Desde setembro de 2020, em plena pandemia, um trabalho intitulado "Transmissão da Covid-19 e Jovens: a culpa não é das crianças", baseado na análise de quatro estudos científicos na época, conclui o mesmo que as autoridades sanitárias japoneses: as crianças não transmitem o vírus. Os especialistas em doenças infecciosas, Benjamin Lee e William Raszka, da Universidade de Vermont, também concluíram que os resultados obtidos foram similares em diversas partes do mundo.

Na China há registro de um único caso de transmissão entre crianças, num hospital de Wuhan. As outras 9 crianças analisadas foram contaminadas por adultos. Em todos os casos os vírus foram mortos pelo sistema imunológico.
 
Na França, um aluno, contaminado por Covid-19 permaneceu estudando durante semanas, entre 80 outros colegas, da mesma escola e nenhum deles foi contaminado. O mesmo estudo concluiu que o vírus influenza tem taxas de contaminação muito maiores dentro das escolas.


Um professor brasileiro no Japão

Ademar Oshiro

Faz 16 anos que o professor Ademar Choyo Oshiro mora e trabalha no Japão. Aos 67 anos, natural de Herculândia (SP), Oshiro ainda não se "acostumou" totalmente a certos costumes do povo japonês.

"Aqui é muito normal observar crianças indo sozinhas, a pé, para suas escolas.  Este fato até hoje me causa estranheza mesmo estando há 16 anos morando por aqui, habituado que estava nos moldes do Brasil." - confessa o professor.

220 mil brasileiros no Japão

Um levantamento publicado em 2019 mostra a existência de 220.000 brasileiros no Japão e próximo de 35.000 estudam no ensino básico, conta Oshiro. Destes, cerca de 7.000 estão matriculadas em escolas japonesas por razões que variam: são de famílias de brasileiros que pretendem ficar no Japão ou por questões financeiras já que as escolas brasileiras custam de 30.000 a 50.000 ienes (em média cerca de R$ 2.000/mês).

Oshiro disse observar que muitos brasileiros estão evitando o árduo trabalho nas fábricas e  buscando outras alternativas. Os jovens que têm fluência na língua japonesa conseguem trabalhos em lojas de conveniência, fast foods e lojas de departamentos. Outros tornam-se empresários nos mais diversos segmentos embora o trabalho como operário seja a maioria.

Escolas e faculdades brasileiras no Japão

Dados levantados junto ao Consulado Geral do Brasil, em 2019, apontam 35 escolas brasileiras homologadas junto ao MEC e em funcionamento naquele país. Nem todas recebem os vultosos benefícios por não estarem vinculados ao Ministério da Educação do Japão.

Muitas faculdades brasileiras mantém polos EAD no Japão para atender jovens e adultos que pretendem prosseguir seus estudos mas, a maioria, apenas conclui o Ensino Médio.

- Mas isso também ocorre entre estudantes japoneses que nem terminam o Koko (ensino médio) e cumprem apenas a obrigatoriedade de concluir o Chugakko (ensino fundamental) - conta Ademar Oshiro. Ele explica:
 

- Nem todos que concluem o Ensino Médio japonês tem condições de acessar suas excelentes universidades por não existir ensino grátis no país. O governo, entretanto, tenta facilitar o acesso com financiamento, tipo Fies, sem burocracia..

Funcionamento das escolas brasileiras em período normal 

"As escolas brasileiras aqui não seguem um calendário escolar brasileiro ou japonês mas, no geral, caminham de acordo com o calendário das fábricas, particularmente em função da Toyota, restringindo as férias em duas semanas (uma em maio e outra em agosto)" - explica o professor.

Isso se deve à conveniência de manterem as crianças em escolas já que a grande maioria dos pais trabalha em fábricas de autopeças. O mês de janeiro é destinado a recuperação de notas e conteúdos de alunos mas muitos pais deixam os filhos sob a guarda da escola uma vez que lá não tem férias prolongadas, como no Brasil. As escolas servem, também, como um local de abrigo principalmente às crianças do maternal, infantil e fundamental I. O ano letivo da maioria das escolas brasileiras inicia oficialmente fevereiro e estarão ativas o ano todo. 

Em período da pandemia 

As escolas brasileiras no Japão seguem normas das respectivas províncias japonesas onde se localizam. Algumas, no início de 2020, chegaram fechar mas reabriram em junho do mesmo ano obedecendo os rígidos protocolos das autoridades de saúde do país. As aulas são presenciais e obrigatórias.

Oshiro lembra que se recorda de uma única vez que houve o afastamento imediato de um aluno com covid e de toda sua sala. Atividades com aglomerações, como festas junina, foram canceladas.
 

Escolas japonesas em período normal e na pandemia.

O professor Ademar Oshiro salienta que a diferença entre o sistema educacional japonês e o brasileiro, particularmente no quesito disciplina, é enorme.  

 - Normalmente os alunos da escola japonesa seguem um rígido ritual de comportamento. Eles são os responsáveis pela limpeza, higiene da escola, distribuição de alimentação onde todos, num esquema de rodízio, participam. Aqui há prática de esportes e atividades culturais e cada aluno escolhe sua preferida. Cada aluno tem um professor responsável que não se limita apenas em enviar recados escritos aos pais mas até mesmo de visitar a casa de cada aluno se detectar algo anormal na sua vida escolar - explica ele, concluindo. 

- Essa experiência eu tive pessoalmente quando, recém chegado do Brasil, matriculei o meu filho numa escola japonesa. Como ele não se adaptava, as visitas da professora dele eram frequentes, sempre tentando ajudar e facilitar sua adaptação.

  • Os alunos do Ensino Básico japonês utilizam 2 máscaras por dia, 2 toalhinhas de mãos, por dia, no Ensino Infantil, higienização permanente com os professores em vigilância constante, incluindo correção no uso de máscaras quando necessária.
  • A alimentação, que é feita cada qual em suas respectivas carteiras, foram colocadas uma carteira na frente da outra com divisão de material plástico, desde o ano passado.
  • A higienização bucal é feita em pequenos grupos, mantendo rigidamente o distanciamento social.
  • No ano passado não aconteceram atividades sociais como reuniões, competições e, principalmente, visitas dos professores responsáveis às casas dos alunos quando no início do ano letivo. Neste ano as visitas foram retomadas, seguindo protocolos de segurança.
  • Nas bibliotecas (muito utilizadas, por sinal), o acesso continua limitado a pequenos grupos e todos os livros são higienizados, após a utilização. 
  • No Japão, cada bairro tem sua escola e os alunos vão em grupos (infantil e fundamental I) sempre liderados por um aluno escolhido pela escola junto à comunidade e, em todas as esquinas do trajeto, grupo de pais ou voluntários se encarregam de cuidar da travessia das crianças. Empresas liberam os pais para essa prática e isso é determinado por lei. 
  • No Japão não se observa aglomerações de carros diante das escolas, exceto em dias de festividades.

Faculdades japonesas na pandemia

No ano passado as faculdades tiveram suas atividades, na maior parte do tempo, sob o regime online. O distanciamento social, durante as aulas presenciais que ocorreram duas vezes por semana, em média, foi rigorosamente imposto e as salas divididas em dois grupos que alternavam nas respectivas frequências.

Casos no Japão
Atualizado em 26 de abr. à(s) 17:05, hora local
Confirmados
566.863
+4.722
Mortes
9.972
+59
Recuperados
504.738
+3.129

Colaborações:
- Ademar Chyo Oshiro é professor, engenheiro civil, matemático e pedagogo e atua no Japão como professor de Matemática, Física e Química em diversas escolas brasileiras, como a Escola Nikken Gakuen, do Sistema Objetivo de Ensino, onde também foi diretor até 2020. Ele atende alunos online com casos especiais - dificuldades de locomoção, ausência de escolas próximas, tutor de home schooling e produz vídeos educativos no seu canal de Youtube (Prof. Adetiam).
- Carlos Shinoda, autor do livro MEC no Japão, profundo estudioso da comunidade brasileira com relação à Educação no Japão.
- Clarissa Cardinalli, mãe de 4 filhos, todos estudando em escolas japonesas. A primogênita faz faculdade de Modas, em Tóquio.

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Como o cérebro aprende a ler

Por Edson Joel Hirano Kamakura de Souza

Stanislas Dehaene

O Professor Stanislas Dehaene, em palestra no World Innovation Summit for Education (WISE), mostra como o cérebro de uma criança funciona e quais caminhos e sequências segue na aprendizagem da leitura. Dehaene tem repetido que não existem 100 maneiras diferentes de se ensinar uma criança ler. Pessoas são diferentes mas seus cérebros usam a mesma sequência na hora de aprender a ler e, quanto mais se respeitar esses caminhos, mais rápido será a alfabetização. Evidências científicas incontestáveis.

O neurocientista Stanislas Dehaene há 30 anos estuda o impacto dos números e das letras no cérebro humano. Ele afirma que o método mais eficaz de alfabetização é o que chamamos fônico. Ele parte do ensino das letras e da correspondência fonética de cada uma delas, como se fazia antigamente.

Muitas escolas nordestinas que usam fônico são melhores que particulares e públicas de São Paulo

O método e metodologias lastreados no fônico colocaram dezenas de escolas nordestinas na liderança do IDEB - Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico - com os melhores índices nacionais no Saeb (Sistema de Avaliação do Ensino Básico) que analisa a proficiência em matemática e português.

O início desta mudança no cenário educacional ocorreu em Sobral e espalhou pelo Vale da Rapadura (12 cidades desta região que copiaram o método fônico de Sobral) que estão entre as melhores do país. Aliás, mais de 70 cidades nordestinas aparecem entre as 100 melhores do país, liderada por Sobral. Basta citar que a capital líder no Ensino Básico, entre todas do Brasil, é Teresina cuja rede municipal adotou o método fônico faz 10 anos e lidera como o melhor índice do Ideb entre todas as capitais.

Granja, cidade nordestina com o segundo o pior IDH do estado, atingiu nota 7,7 no Ideb em 2017. Escolas do nordeste que adotaram o método fônico, como Esmerino Arruda Filho, tem índices que humilham as melhores escolas públicas e particulares do Estado de São Paulo: Ideb de 9,3 de 2017 enquanto Campinas chegou a 6,1 pontos e a capital do estado a 6,0. O índice Brasil foi de apenas 5,5 pontos no Ideb.. 

Em matemática a referida escola chegou a escala 9, do Saeb - Sistema de Avaliação do Ensino Básico - com 327,76 pontos e em português 293,93 pontos, 8 na escala Saeb. A escala Saeb vai de um a nove.
Pequenas escolas nordestinas, que usam método fônico, humilham as mais caras escolas particulares do Estado de São Paulo com índices do IDEB elevadíssimos. 

A Escola Norma Mônico Truzzi, de ensino infantil e básico de Jafa, região de Garça, instituiu o método fônico para as três primeiras séries, no final de 2019 e, em 70 dias letivos, todos aprenderam ler com fluência e fantástica compreensão e escrever, inclusive com letra cursiva, nas formas variadas propostas. A maioria dos alunos, das três séries, tinha o mesmo nível: dificuldades para ler, compreender e escrever.

Palestra do Professor Stanislas Dehaene

vídeo original da palestra do neurocientista está em inglês mas o vídeo abaixo está
legendado em português.

Olá, meu nome é Stanislas Dehaene, eu sou um neurocientista cognitivo francês, eu estudo o cérebro e hoje eu gostaria para falar sobre nossa pesquisa de como o cérebro aprende a ler e por que é isso é pertinente para a educação.

Meu laboratório está situado ao sul de Paris, especializado em visualizar o cérebro para várias necessidades, e eu creio que você está ciente de que hoje temos uma variedade crescente de métodos de visualização cerebral que incluem visualização por ressonância magnética funcional, além de eletroencefalografia e magnetoencefalografia  para mapear a dinâmica da atividade cerebral.

Você pode não estar ciente de que estas técnicas estão agora disponíveis também para estudar a educação e para estudar o cérebro da criança.

Escaneando o cérebro enquanto ele aprende

É perfeitamente possível hoje, com o treinamento com um simulador de scanner, recebendo-se crianças dentro desse scanner, obtendo-se excelentes imagens do cérebro da criança enquanto ela aprende, mesmo fazendo escaneamentos repetidos, as crianças ficam extremamente felizes por vir ao laboratório e participar desta pesquisa, só precisamos contar a elas que são como astronautas dentro desta nave espacial, sem se mexer, o que é muito importante para nós. Elas contribuem para a ciência, mas também contribuem para a nave espacial ao não se movendo. Com isso podemos estudar como a Educação muda o cérebro. 

Eu gostaria de mencionar neste slide o que penso que a neurociência pode trazer para a educação. Tem um ponto muito simples, eu acho que é uma pena que os professores saibam mais sobre o funcionamento de um carro do que eles sabem sobre o funcionamento do cérebro de seus alunos.

Eu creio nisso, penso que se você deseja alterar o sistema, você precisa entender como ele funciona. Eu acredito que, ao emponderar os professores com o conhecimento apropriado, sobre os princípios da plasticidade do cérebro e educação, isso deverá conduzir-nos a melhores práticas em sala de aula.

Ciência cognitiva

Há muito que já sabemos em neurociência cognitiva que é relevante, as competências da criança pequena para o visual, linguagem, números, muitos outros como a aprendizagem funciona, o papel de atenção, o papel da recompensa, o papel do sono, a importância do sono para a consolidação da aprendizagem, a transferência de conhecimento explícito para implícito, muitos outros tópicos são relevantes.

Eu também acho que a ciência cognitiva pode ajudar a medir progressos na educação, e na experimentação é absolutamente essencial a fim de testar protocolos educacionais e quantificar seus efeitos no comportamento no cérebro.

E, finalmente, acredito também que a neurociência cognitiva também pode participar no desenvolvimento de dispositivos de ensino, tais como currículos escolares, manuais ou software. Vou dar um exemplo disso no final.

Como o cérebro aprende a ler

Hoje quero falar especificamente sobre o tópico da leitura, e o que entendemos sobre isso no ponto de vista do cérebro.

Se você não tivesse aprendido a ler, qualquer página de texto pareceria a você como uma pedra: uma textura, mas sem sentido. Mas porque você aprendeu a ler você pode ter uma conversa com os mortos, você pode ouvir os mortos com seus olhos, porque você pode ler o que eles escreveram 2000 anos atrás. Você pode comunicar pensamentos para a mente através dos olhos, o que é uma grande invenção do mundo, de acordo com Lincoln.

Então, como isso funciona? Bem, esta é uma foto do seu hemisfério esquerdo, a parte do cérebro mais essencial para a linguagem e leitura. Somente para orientar vocês, esta é a parte de trás do cérebro, que foi ligeiramente ampliada de modo que você possa ver dentro das dobras. E agora eu quero mostrar a ativação do cérebro enquanto você lê uma palavra. Nós vemos isso em tempo real.


Arquitetura cerebral de leitura

Você tem a palavra que se desenrola da parte de trás do cérebro para a frente do cérebro, ele vai repetir este ciclo várias vezes. Você pode ver que a informação entra no polo occipital, que é o lado visual do cérebro, se movimentando para as áreas ventrais, e depois explode no hemisfério esquerdo - atividade distribuída.

Eu naturalmente não tenho tempo para explicar a você todas os detalhes dessa atividade cerebral, mas quero mostrar uma espécie de caricatura que você pode se lembrar. E é muito simples que a leitura comece como qualquer outro estímulo visual, nas áreas geralmente visuais do polo occipital do cérebro, mas rapidamente se movimenta para uma área que descobrimos que se concentra o reconhecimento da palavra escrita. Eu chamei ela de "caixa de letras" do cérebro, porque é onde armazenamos nossos conhecimento sobre as letras.

E a partir daí que você viu, e esta explosão de atividades em pelo menos duas redes, uma que diz respeito ao significado das palavras e a outra que diz respeito à pronúncia e a articulação da palavra. Então, podemos dizer essencialmente pela perspectiva do cérebro é que aprender a ler consiste primeiro em reconhecer as letras e como se combinam em palavras escritas, e segundo lugar conectando-as a estes sistemas chamados de sons de fala, e significado.

E o que é impressionante é que todas as áreas em laranja e verde aqui já existem para a língua escrita. Elas são compartilhadas entre a linguagem falada e a escrita.

Estudos com bebês

Não apenas isso, mas elas já existem em crianças pequenas. Nós podemos visualizar o cérebro de bebês ainda quando são extremamente novos, com poucos meses de idade, nós temos vários métodos para isto. E quando nós não ouvimos língua, já podemos ver essas redes de regiões que existem também em outros cérebros e que processam a linguagem falada.

Então podemos dizer que ler não é criar algo completamente novo, ler consiste essencialmente na conexão, criação de uma interface entre a visão e o sistema de linguagem, o sistema de linguagem oral.

Quando a criança chega à escola para aprender a ler, ela já tem um sofisticado sistema de linguagem falada, ela já possui um sofisticado sistema de visão, mas ela precisa criar esta interface, esta área visual de formação de palavras, esta “caixa de letras” do cérebro e conectá-la adequadamente, e ao fazê-lo também precisa alterar alguns desses sistemas-alvo.

Como isso funciona exatamente?

Nós realizamos um grande número de estudos em diferentes laboratórios no mundo, que analisam o que foi alterado no cérebro de crianças ou adultos depois de aprenderem a ler, e, em particular, quero mencionar aqui o estudo que fizemos muito recentemente, que foi publicado na revista Science, onde graças a uma vasta colaboração internacional, nós pudemos escanear sujeitos letrados e iletrados, em vários níveis de alfabetização, no Brasil e em Portugal, levando-os a nosso laboratório na França.

Graças a este experimento, conseguimos fazer um mapa completo das áreas que foram modificadas pela aprendizagem da leitura, e como todos vocês nesta sala sabem ler, podem considerar que seu cérebro foi modificado dramaticamente.

Caixa de letras

Eu lhes falei sobre estas áreas para a linguagem, a primeira grande mudança que vemos no cérebro alfabetizado é esta “caixa de letras”, tornando-se ativa somente em pessoas que aprenderam a ler. Ela será ativada em proporção direta com o desempenho da leitura, ela ativará em resposta as letras que você conhece. Ela não será ativada, por exemplo, pelo chinês, se você não souber chinês.

Então, ela aprende as formas do letras. Isto é acompanhada por uma grande mudança no córtex visual, em suas áreas visuais iniciais, que são genéricas e servem para muitas tarefas visuais que você mudou a precisão da codificação em seu córtex visual porque você aprendeu a ler. Mas mais importante, você também mudou sua representação de sons da fala. Se você aprendeu uma língua alfabética, você mudou a maneira como seu córtex codifica os fonemas da fala, os componentes elementares de fala. E aprender a ler é, em grande medida, a capacidade de atentar para os fonemas individuais da fala, e atribuir a eles letras diferentes.

Ouvindo sons e pensando em letras

Quando vemos este mapa, nós podemos pensar, certamente, que as áreas de conexão também devem ser modificadas. E eu fico feliz em dizer que, com novos métodos para identificar as conexões do cérebro humano, também podemos monitora estas mudanças. Podemos ver, mesmo em uma pessoa viva, todas estas trilhas de fibras que conectam às áreas do cérebro, nós podemos ver uma microestrutura, e o que vemos é que, de fato, este conjunto de conexões que existem em todos os cérebros, é reforçado, foi modificado em pessoas que aprenderam a ler, e há uma boa probabilidade de que este conjunto seja envolvido em conectar as letras aos sons bidireccionalmente. Quando você escuta os sons, você também pode pensar nas letras.

Esta mudança é sutil, mas é uma alteração anatômica. Então, a anatomia do cérebro também é mudada porque as crianças aprendem a ler.  Nós fazemos essas mudanças essenciais que certamente criam uma nova modalidade de entrada da linguagem.

A área cerebral antes de aprender a ler

Há muitas coisas que entendemos sobre os detalhes deste processo, e eu quero mostrar a vocês, primeiramente, o que essa área faz antes de aprendermos a ler.

Bem, não é naturalmente uma área que se desenvolveu pra ler, então ela deve estar fazendo alguma outra coisa, e o que descobrimos é que essa região também reage a rostos e objetos, ela é envolvida no reconhecimento visual em todas as espécies, na verdade, em todos os primatas, pelo menos.

E o que nós descobrimos é que, à medida que você aprende a ler, então isto são resultados da leitura aqui no eixo X. 

O que você pode ver é que a resposta a sequências de caracteres aumenta nesta área, mas a resposta a outras categorias diminui. Então existe uma espécie de competição no cérebro do leitor e a nova função da leitura tem que encontrar algum espaço no córtex, criando espaço por assim dizer, e o que nós também vemos é que a representação dos rostos é, portanto, deslocado para o hemisfério direito.

As palavras competem com os rostos no cérebro do leitor, não é uma competição massiva, mas é uma espécie de reorganização que ocorre quando as crianças aprendem a ler.

Leitura espelhada nada a ver com dislexia

Graças a esta compreensão, nós também podemos explicar o quebra-cabeças sobre aquisição de leitura. Um quebra-cabeça que fomos capazes de explicar, pelo ponto de vista do cérebro, é algo que você pode ter visto em suas crianças, que é esta noção de leitura e escrita espelhada. 

Muitas crianças, quando assinam os seus desenhos, escrevem seus nomes na direção imprópria, da direita para a esquerda. Neste caso aqui temos um exemplo de uma criança que escreveu "Theodore ti voglio bene", e a criança escreve da direita para a esquerda, da direita para a esquerda, alternando, em um sistema de escrita que é conhecido como "boustrophedon", que quer dizer como o "boi golpeia". Esta era a maneira de escrever na Grécia Antiga. Mas é claro que as crianças não sabem sobre a Grécia Antiga nesta idade.  

Então como eles são capazes de fazer essas coisas, e muitos pais pensam que é essa dislexia? 

Nós entendemos agora do que se trata, que não é dislexia. O que ocorre é um traço desta antiga função do sistema que está tentando aprender a ler. Todos nós temos, todos os primatas têm um mecanismo de simetria que permite que você observe que estes dois rostos são da mesma pessoa, mesmo que em sua retina sejam imagens completamente diferentes, mas elas são imagens espelhadas uma da outra. E este é um sistema evoluído que temos que desaprender quando aprendemos a ler, porque não é útil, precisamos distinguir estes itens como duas palavras diferentes ou palavras em potencial.

Nós descobrimos de fato que a área principal que tem maior sensibilidade a esta simetria é precisamente a área que é chamada de "caixa de letras" do cérebro que está tentando aprender a ler.

Então, essencialmente não é de se admirar que as crianças tenham dificuldade com a leitura e escrita espelhadas, isto não tem nenhuma relação com dislexia, é uma dificuldade universal para todas as crianças que elas precisam superar, e nós podemos ensiná-las explicitamente pelos gestos da escrita, para ajudá-las a superar esta dificuldade.

Leitura de palavras completas é mito

Outra coisa que entendemos um pouco melhor agora é esta questão clássica sobre fonética versus treinamento com palavras completas. Vocês sabem que tem havido muito debate na psicologia e na educação: deveríamos ensinar em nível de palavras completas ou deveríamos realmente ensinar cada letras e sua pronúncia?

Existe efetivamente algo como a forma global das palavras que tem sido usado na leitura? Aqui tem algo muito importante: como adultos, nós esquecemos como éramos quando crianças. Nós esquecemos o quão difícil era aprender a ler, e achamos que podemos apenas colocar os olhos em uma palavra e imediatamente vem à mente. E realmente, existe esta noção de leitura paralela, nós lemos todas as letras ao mesmo tempo, isto nos dá a ilusão de leitura de palavras completas, mas na verdade se olharmos para o cérebro, o cérebro ainda processa cada uma das letras e não olha para o formato global.

Então, a leitura das palavras completas é um mito, basicamente. O que temos é o processamento de letras, mas processamento de letras em paralelo através de todas as letras da palavra. O cérebro não usa a forma global da palavra e, de fato nas crianças é ainda pior, as crianças precisam de mais e mais tempo, para mais e mais palavras.

Vocês podem ver isto neste gráfico, este é o número de letras em uma palavra e o tempo de reação de crianças. No 1º ano elas são muito lentas e precisam de mais e mais tempo para cada letra. Então, isso não é absolutamente leitura de palavras completas. É um processo lento, serial, uma letra por vez, e à medida que as crianças progridem, 2ª ano, 3ª ano, isto desaparece, e isto dá a ilusão de leitura de palavras completas.

Então eu acho que podemos ser muito claros sobre este ponto, porque há uma forte convergência em pesquisa educacional sugerindo que o cérebro não tem relação com este tipo de exercício que meu filho teve de selecionar as letras ascendentes e descendentes, e decidindo que isto corresponde a esta palavra ("lapin" na tela). O formato global não é utilizado.

A neurociência: a correspondência entre letra e som é a maneira mais rápida de adquirir a leitura e a compreensão.

Algumas palavras de conclusão. Eu penso que a neurociência pode auxiliar na educação. Nós entendemos agora muito sobre leitura. Nós entendemos que em todas as culturas não há tanta variação, nós sempre temos os mesmos mecanismos cerebrais.  A leitura sempre exige a especialização do sistema de visão para o formato das letras, conectando-os a sons da fala, mesmo em chinês. A propósito, não há mais letras, mas há caracteres e alguns deles são mapeados estatisticamente aos sons.

Ensinar a correspondência da letra ao som é, portanto, essencial, é uma das principais partes que foi transformada no cérebro. A pesquisa do cérebro é convergente à pesquisa em educação, ensinando que o ensino da correspondência entre letra e som é a maneira mais rápida de adquirir a leitura e a compreensão, não apenas, você sabe, ser capaz de decodificar as palavras.

Como isto funciona? Isto funciona porque existe uma forma de autoensino, uma vez que as correspondências são aprendidas, as crianças têm estas correspondências entre letras e sons, então eles podem reconhecer as palavras usando auditivamente seu léxico auditivo. E então esta rota mais direta entre letras e significado pode ser treinada. Ela pode ser auto treinada na medida que a criança lê sozinha, mesmo sem um professor. Então, essa noção de duas rotas da leitura desempenha um papel central em todos os modelos contemporâneos do processo de leitura.

Ciência cognitiva e softwares

A neurociência cognitiva também pode levar a novas ferramentas de software e, rapidamente eu gostaria de mencionar que nossos colegas da Finlândia, que têm desenvolvido ao longo de muitos anos este jogo gráfico (Graphogame). um sofisticado software que parece um jogo para crianças, onde você deve selecionar letras com base no som que você ouve, e muitos outros jogos de treinamento desse tipo, e eles mostraram que apenas algumas horas de treinamento com este joguinho são suficientes para a crianças em fase pré-escolar, as crianças já começam a desenvolver este sistema visual de formas de palavras sobre o qual tenho falado. 

Então, com ferramentas eficientes que atraem a atenção da criança e as recompensam pelo que podem fazer, nós temos mudanças muito rápidas nestes cérebros com plasticidade, nesta idade jovem.

Eu quero mencionar que essa noção de reciclagem neuronal, a ideia de que algumas áreas tem plasticidade suficiente para podemos redirecionar sua função sensivelmente, que é o que ocorre com a leitura, é um tipo de princípio geral. Todos nós somos como esta caricatura de Darwin, nós somos humanos, mas também somos primatas e, como primatas, herdamos restrições em nosso cérebro. Nosso aprendizado é limitado pelas representações que herdamos da evolução, que vem não apenas da linguagem, mas também dos números, espaço, tempo. E os professores devem levar em conta esse conhecimento inicial da criança, porque se compreendemos o que elas têm que redirecionar no cérebro da criança, nós podemos ensinar melhor.

Os números no cérebro

Eu quero mencionar que isso é relevante para a leitura, mas também, penso eu, muito fortemente para a matemática. Nós começamos a entender que nosso cérebro, o cérebro humano, da mesma forma que em outros primatas, é organizado para compreender conceitos do mundo externo, tal como o conceito de número.

São as mesmas áreas do cérebro que se relacionam aos números no cérebro de um macaco e no cérebro humano e, com base nisto, podemos começar a entender qual é o fundamento da intuição do senso de números, que se desenvolve mais tarde em um sistema complexo de aritmética. Então, baseado no mesmo princípio desta noção de que são todos os sistemas cerebrais que precisam ser reciclados, podemos propor uma compreensão do desenvolvimento da aritmética.

E eu quero mencionar que é agora culminando em meu laboratório no desenvolvimento de ferramentas de software que são baseadas em princípios cognitivos e que podem ajudar as crianças a desenvolver um melhor sentido dos números. E este software de "Number Catcher" está disponível hoje em thenumbercatcher.com, e é um novo software que está disponível gratuitamente para ajudar as crianças a desenvolver suas intuições sobre os números.

Finalmente, eu quero terminar dizendo que vocês podem ler sobre esses tópicos com mais detalhes, eu percebi que 20 minutos não são suficientes para transmitir todas estas ideias, mas principalmente agora penso que podemos ter uma breve discussão. Muito obrigado por sua atenção.

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sexta-feira, 13 de março de 2020

A escola em Shangai e a educação brasileira

Shangai é líder no PISA e tem ingredientes comuns entre os melhores países na educação: disciplina, professores comprometidos e método fônico.

Por Edson Joel Hirano Kamakura de Souza

Quando uma professora de Shangai entra na sala de aula, rigorosamente no horário, as crianças se levantam e saúdam com um uníssono "bom dia professora" acompanhado do respeitoso gesto de se curvar diante de alguém que se respeita. O gesto é repetido pela professora. Imediatamente a aula tem início. Diferente do Brasil onde o professor perde um bom tempo para "acalmar" alunos sem disciplina.

As diferenças são enormes entre a educação praticada no Brasil e em Shangai, na China. Elas passam pela pedagogia, métodos e metodologias, pela disciplina de alunos e, principalmente, pelo comprometimento dos professores. Shangai está no topo da lista dos melhores na educação do PISA que avalia estudantes na faixa de 15 anos, em 76 países, a cada três anos. O sistema Chinês é dividido em três níveis: Elementar (1º ao 6º ), Médio (7º ao 9º) e o High School (três anos) com alguma variação regional.

Diferenças gigantescas


As escolas de Shangai tem muitas coisas em comum com as escolas japonesas ou com as coreanas e nenhuma com as brasileiras. São estruturas comuns, com pouco aparato tecnológico mas... limpas. Tal e qual as escolas japonesas, os alunos são disciplinados e tão comprometidos com a limpeza como os diretores e professores. São eles que mantém suas salas limpas e cuidam para evitar depredações. As aulas tem 50 minutos com intervalo de 10 minutos entre elas. Depois do "bom dia Sra Professora", a aula se inicia. 


Professores não faltam

Os professores não faltam porque sabem que isso interromperá a sequência trabalhada no currículo. Nem seus alunos se ausentam porque sabem que terão tarefas duplicadas pra fazer em casa. As crianças de Shangai, além de cumprir sua jornada na escola, terão mais 3 horas de tarefas pra fazer em casa. Apenas em casos de acidentes ou cirurgias programadas, um professor se ausentará. No Brasil, absurdamente, a legislação permite ao funcionário público atrasar 10 minutos (a aula tem 50) e "beneficios" como direito a seis faltas por ano, sem dar satisfação, além de licenças intermináveis.

Alfabetização com Método Fônico


O método de alfabetização em Shangai, como na Coreia do Sul e Japão, é o fônico, um sistema lastreado em evidências científicas. No Brasil utiliza-se as teorias do método global/construtivista que confundem alunos e professores. Em Shangai os alunos são alfabetizados em menos de um ano enquanto os brasileiros chegarão ao 5º ano com graves deficiências para ler e compreender e assim permanecerão além do ensino médio. Os alunos de Shangai são os primeiros do mundo e os brasileiros, os últimos.

Salas de aulas em Shangai tem mais alunos que salas brasileiras

Os campeões do mundo em educação tem salas de aulas com 30 a 35 anos de 1º ao 6º anos, 40 na salas do 7º ao 9º e mais de 40 na série Hight School. Quando o método de alfabetização é bom e há disciplina, independe o tamanho das salas e nem o nível social dos alunos. As crianças mais pobres de Xangai sabem mais matemática que as crianças mais ricas dos Estados Unidos e Europa. No Brasil a desculpa para justificar o atraso na aprendizagem é o tamanho da sala com 35 alunos. Em algumas regiões as salas podem ter acima de 50 alunos. Estatísticas do PISA mostram que salas com 20 alunos tem rendimento próximo de salas com 35.

Os professores chineses são rigorosos na disciplina e não compreendem bem porque os alunos brasileiros agridem seus colegas e professores. É inimaginável para sua cultura um aluno ofender um professor.

Experiência em Jafa aponta caminhos

Professoras brasileiras que participaram de um projeto piloto, com método fônico, numa escola de ensino básico, no interior do Estado de São Paulo, explicaram que a disciplina melhorou 90% depois que o programa foi implantado:

- Os alunos dos três primeiros anos foram alfabetizados em pouco tempo e, na medida que passaram a entender o que os professores pediam, executavam suas atividades com uma disposição que a gente nunca observara antes" - disse uma delas.

A disciplina melhorou 90%. "Os próprios alunos passaram a exigir bom comportamento dos colegas e eles compreendem bem o que pedimos nas atividades" - afirmam as professoras.

"Parecia que, antes, a gente falava uma língua desconhecida e eles acabavam se dispersando simplesmente porque não estavam entendendo nada" - confessou. As professoras que usaram o método fônico pela primeira vez notaram que, antes, as crianças iam para a biblioteca para brincar mas passaram a frequentar o local para ler, em silêncio. Antes eles tinham imensas dificuldades para ler.

Os alunos do primeiro ano, depois de 70 dias de alfabetização, leram os enunciados das suas provas, sem ajuda do professor leitor, auxílio necessário até hoje para alunos do terceiro ano.

A sala dos professores de Shangai é bem diferente das brasileiras. Na verdade cada professor tem uma baia, equipada com computador, onde prepara suas aulas. Um professor faz o papel de "inspetor" visitando frequentemente os alunos em suas salas e agindo com mediador escola/família. Ele conhece todos as crianças, mesmo numa grande escola, e seus problemas, famílias e casos comuns. Os professores são orientados não gritar em sala de aula e alunos respeitam. Em matéria de disciplina as chamadas escolas militares brasileiras são próximas das de Shangai, inclusive no uso do método fônico.

Atividades relevantes programadas


Enquanto muitos professores brasileiros improvisam suas aulas, as atividades relevantes ocupam a maior parte do tempo nas salas chinesas. Esse procedimento melhora a qualidade do ensino como já demonstrou o PISA.

Participação espontânea em Shangai e em Jafa


Professoras que participaram do Projeto Piloto com Método Fônico da escola municipal de Jafa, confessaram-se muito surpresas com um fato corriqueiro mas muito significativo.


"Quando testamos leitura todos os alunos levantam as mãos e querem participar. Antes eles evitavam ser chamados simplesmente porque não sabiam ler" - disse uma professora do terceiro ano. O mesmo ocorre com as crianças chinesas: todas erquem os braços desejando responder. A lição errada de um aluno é é ensinada e corrigida pelos colegas que sabem a resposta.

A disciplina só será instalada numa sala de aula onde os alunos conseguem ser alfabetizados, quando ganha autonomia na leitura e escrita. Para isso é preciso que o método de alfabetização alfabetize e não confunda.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Roubaram o acento da ideia.

"Cartaz" do início de 1900. A última reforma comeu os acentos da diarréia, asteróide, jibóia, estréia e idéia.

Por Edson Joel Hirano Kamakura de Souza atualizado em 6/2/22

Duas coisas causam-me estranheza: mudam as regras gramaticais e ortográficas e todos aceitam, sem questionamentos. Tudo que lhe disseram que era correto escrever... torna-se incorreto ao prazer e decisão de alguns. Dai você se pergunta:

- Afinal, como são criadas e alteradas tais regras?

Não é assim, tão simples.
Os linguistas espreitam o uso da língua nos meios de comunicação e, particularmente, nos meios literários, analisando alguma possível alteração. Quando elas forem "significativas", propõe mudanças nas regras gramaticais - a gramática aprendida nas escolas - e ortográficas, estas últimas impostas por lei. O objetivo, segundo tais linguistas, é facilitar o uso da escrita em português para os 273 milhões de 9 países no mundo. A decisão torna-se mais política que linguística.

O Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, em 2009, foi assinado pelo Brasil, Portugal, Angola, Timor Leste, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe. De janeiro de 2009 até dezembro de 2015 chamou-se de período de transição. Em 1º de janeiro de 2016 passou a vigorar, oficialmente. Antes, em 1990, ocorreu o acordo que culminou com o documento de 2009. Os representantes brasileiros foram Antônio Houaiss e Nélida Piñon.

Antes a norma dizia que você estaria correto acentuando diarréia, asteróide, jibóia, estréia e idéia com acento agudo (´) por serem palavras paroxítonas com ditongos ei/oi (encontro entre duas vogais, na mesma sílaba) em que a última sílaba tem pronúncia mais forte. Agora, por decisão de "linguistas", não se acentua mais e você estará errado se colocar acento nestas palavras que antes, eram corretas.

ANTES: Acentuar todos os ditongos abertos (éi, ói, éu), monosílabas (céu, dói), oxítonas (troféu, constrói), paroxítonas (idéia, jibóia).

AGORA: Acentuar todas as palavras paroxítonas menos as terminadas em -a, -e, -o, -em, -am, -ens. Portanto, ideia não é acentuada porque é paroxítona terminada em "a".
Muitos especialistas acreditam que as regras estavam organizadas e claras e que as mudanças (na verdade voltaram as regras originais) não foram bem aceitas. Muitas alterações ocorrem "para facilitar" o seu uso adequando-se as imensas dificuldades que o estudante brasileiro, particularmente, tem com a língua falada e escrita.

Nos últimos 30 anos utiliza-se no país um método de alfabetização (método global/construtivista) que não alfabetiza. Crianças que deveriam ganhar autonomia plena em leitura e escrita antes do término do primeiro ano do ensino básico - e isso é possível com método fônico - chegam ao ensino média com dificuldades de leitura de palavras de três ou quatro sílabas.

Somos os piores na avaliação do PISA em leitura e matemática. Os linguistas, parece, estão moldando a língua para analfabetos da mesma forma que nossos "doutores em educação" tentam resolver o grave problema da educação reformando o ensino médio.