sexta-feira, 16 de setembro de 2011

A Vingança

Por Edson Joel Hirano Kamakura de Souza

Certamente você já se irritou alguma vez com telefonemas de telemarketing que te pegam sempre em horários inoportunos. Aliás, ligações desse tipo importunam em qualquer hora. Quando menos se espera a sua reunião é interrompida por um vendedor de cartões de crédito ou uma doce voz feminina tentando te chantagear para conseguir sua doação para alguma entidade beneficente - geralmente golpe do tipo LBV que pagava gente famosa pra visitar suas creches e testemunhar que a obra era verdadeira - e, diante da sua negativa, elas gemiam frases do tipo "o senhor terá coragem de deixar essas criancinhas passarem necessidades?"

Muitos se irritam e perdem a compostura descarregando na vendedora um caminhão de melancias. 

Se quer saber como evitar esse tipo de chateação, basta entrar em contato com o Procon - www.procon.sp.gov.br/BloqueioTelef/ - e preencher um pequeno cadastro colocando os números de telefones que não aceitara receber ligações desse tipo. Isso é lei. Pronto, problema resolvido. 

Mas, sinceramente, pessoalmente eu desaconselho essa solução. E não é porque eu gosto de ser chateado pelos inoportunos vendedores ao telefone. Mas porque eu aprendi a lidar com eles. Pra ser bem honesto, eu me divirto com eles. Verdadeiramente eu não saberia mais viver sem eles. E vou explicar porque.

Outro dia uma telemarketing que se identificou como Selma Solange, de uma empresa de telefonia, ligou para o meu celular.

- Senhor Edson?- Quem é? - perguntei.
- Eu sou Selma Solange e tenho uma proposta de novas linhas de telefone, sem assinatura e com bonus para consumir em ligações interurbanas. Posso falar com o Sr. Edson?- Lamento, mas o Sr. Edson não poderá te atender - respondi eu mesmo.
- Quem está falando?
- Meu nome é João e sou amigo do Sr. Edson.
- E porque ele não pode me atender? - perguntou ela, irritada.
Com voz de tristeza, quase chorando e falando baixinho, avisei:

- Senhora Selma, desculpe-me. O Sr. Edson não poderá mais te atender porque ele morreu. Eu estou no velório dele, todos os amigos estão aqui - disse, dramatizando. Ela levou um choque e se lamentou, desculpando-se. Mas, como vingança, comecei a chorar e contei:

- Olha Selma, eu estou à frente do caixão dele. Fiquei com o telefone pra comunicar os amigos que ligarem. Vou te contar: ele era um santo homem. Corajoso, bom, um bom pai e marido exemplar. Ela, desconcertada, quis cair fora da ligação. Mas comecei a contar "causos" do Sr. Edson. E arrastei a conversa por um bom tempo como minha vingança pessoal.

- Selma, pensa num homem bom. Era ele em pessoa. Hoje, coitado, está aqui, mortinho. Esticado. Uma vez ele brigou o o Paulo Maluf, xingou o ex secretário da Segurança Pública e chamou um prefeito de panaca. Na época da revolução ele transmitia as assembleias de professores grevistas em Tupã e foi proibido pelos militares de dar notícias da greve. E, no final, ainda perguntei pra Selma:

- Quer falar com a viúva? Ela está chorando aqui do lado. Você pode passar os planos pra ela. Quer? 
Selma desculpou-se, mandou seus pêsames pra família e disse que a "Telefônica agradece sua atenção". 
Quando eu já estava quase explodindo de gargalhar e sentido-me vingado, a desgraçada ainda conseguiu me tirar do sério.

- Sr. João, o Sr. Edson morreu do que?
- De infarto, irritado com as ligações de telemarketing, sua anta!

Nunca mais a Selma me ligou de novo.